Para os que considerávamos as eleições legislativas fundamentais para conseguir um parlamento melhor do que o atual, a sensação é de tristeza e decepção. Erramos em várias predições, baseadas em sondagens prévias. Entretanto, nos últimos dois dias, baixou uma onda que atingiu muitos setores conservadores e inclusive moderados, que não perceberam a tempo a matriz autoritária que se oculta na proposta de Bolsonaro. Espero que esse equívoco se dissipe no segundo turno. O candidato, preservando-se sob pretexto de um estado de saúde frágil, não participou de debates, nem expôs suas posições intolerantes, passando apenas uma difusa idéia de renovação, na defesa da segurança e no empenho contra a corrupção. Aproveitou-se de uma forte posição antipetista, cuidadosamente alimentada por certos meios de comunicação, com a participação militante, entre outros, do juiz Moro. Esse tsunami varreu candidatos que pareciam até então seguros. Tanto na Câmara quanto no Senado a renovação foi, de um modo geral, para pior.
Perdemos senadores importantes como Jorge Viana, Lindbergh Farias , Vanessa Graziottin ou Roberto Requião . Mantêm-se Humberto Costa ou Paulo Paim, entram Jaques Wagner e Cid Gomes. Alguns que até dias atrás apareciam em primeiro lugar, Dilma Rousseff ou Eduardo Suplicy, não se elegeram. Em contrapartida, no Senado, chegam Major Olímpio ou Flávio Bolsonaro, à sombra do pai deste. Vale constatar, entretanto, que Rede Sustentabilidade, onde Marina Silva caiu para 1% na eleição presidencial, conseguiu manter no Senado Randolfe Rodrigues e elegeu mais quatro senadores.
Na Câmara, o PSL terá 55 deputados (tinha 8), seguido do PT também com 55 ( tinha 61). Grandes perdas no PSDB, que despenca de 49 para 30, e no MDB de 51 para 32. Será uma Câmara fragmentada, onde seguirão fortes as bancadas ruralista, evangélica e da bala. Há que notar, entretanto, na bancada carioca, a forte pontuação de Marcelo Freixo (PSOL) com mais de 342mil votos, a reeleição de Alessandro Molon (PSB) com praticamente 228mil (o segundo e o terceiro colocados), a permanência de Jandira Feghali (PCdoB), Glauber Braga (PSOl), Benedita da Silva (PT) e Jean Wyllys (PSOL) e a chegada de Talíria Petrone (PSOL), sucessora natural de Marielle Franco.
O segundo turno para presidente está em aberto. Com 99,89 das urnas apuradas, eis a ordem: Bolsonaro 46,06, Haddad 29,23, Ciro 12,47, Alckmin 4,76, Amoêdo 2,51,Cabo Daciolo 1,26, Meirelles 1,20, Marina 1,00, Álvaro 0,80, Boulos 0,58, Vera Lucia 0,05, Eymael 0,04, Goulart 0,03). Essas pontuações são importantes para possíveis alianças ou abstenções em relação a Bolsonaro e a Haddad.
Uma observação fundamental. Haddad deveria apresentar-se, agora, não como um candidato petista, mas à frente de uma Aliança pela Democracia, Liberdade e Soberania, para fazer frente ao obscurantismo. Os apoios nesse caso serão decisivos. O PT teria de ser capaz de abrir-se a essa aliança plural, com a presença ativa de vários movimentos sociais. Os aliados entrariam como reais parceiros. Além disso, o programa da aliança, desfazendo receios, faria aceno a largos setores moderados da população, a medida que a matriz autoritária bolsonarista irá sendo desocultada nos debates. Como indicado atrás, Bolsonado, até agora, ficou olimpicamente fora do enfrentamento, com o pretexto de seu estado de saúde. No segundo turno deverá baixar à arena política e logo ficará evidente, pelo modo de reagir, ideias confusas e contraditórias, sua posição antidemocrática e autoritária.
Repito a lembrança que fiz em texto anterior, sobre a eleição na França em 2002. Quando a Frente Nacional de Jean-Marie Le Pen, nacionalista de ultra-direita, chegou no primeiro turno em segundo lugar, com 16,86%, perto dos 19,88% do então presidente Jacques Chirac, superando o candidato socialista. Todos se uniram contra a Frente Nacional no segundo turno e Chirac, conservador, recebeu os votos da esquerda, do centro e do centro-direita, chegando a 82,28%, contra 17,79% de Le Pen, afastando assim o risco da França ter um candidato xenófobo no poder.
Haddad deveria também unir todos os setores anti-autoritários. É a única maneira de enfrentar a onda que, aparentemente conservadora, oculta, perigosamente, uma política de viés fascista. Oxalá seja também a ocasião de começar a costurar, aos poucos, uma frente democrática e nacional, para além dos atuais resultados eleitorais.
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